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[:pt]Estivemos no seminário de jornalismo promovido pela Revista Cult[:]

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Entre os dias 15 e 17 de agosto, o teatro do Sesc Vila Mariana foi tomado por jornalistas, relações públicas, redatores, estudantes e interessados em comunicação e democracia. Sob o título “Jornalismo: as novas configurações do quarto poder”, o seminário realizado pela Revista Cult junto ao Sesc promoveu 15 painéis de discussão e três oficinas, com grandes comunicadores do Brasil e do exterior.

Foi um curso e tanto para nós, que estivemos presentes em (quase) todos os eventos. E que felicidade ver aquele teatro cheio todos os dias! Aprendemos muito e anotamos alguns pontos relevantes das discussões sobre o mercado do jornalismo. Finalmente conseguimos digerir e redigir tudo em meio à correria das outras pautas deste blog!

Durante o primeiro painel, O jornalismo diante de uma sociedade hiperinformada, tanto a repórter da Agência Pública de Jornalismo Investigativo Andrea Dip como a repórter francesa Manon Paulic, do jornal Le 1, concordam que a tão temida crise que assola o mercado – no Brasil, na França e no mundo – é no formato e não no jornalismo em si. As duas concordam que o leitor/telespectador sempre irá buscar a informação apurada e de qualidade. Mas o desafio está no novo formato que irá fomentar o consumo do receptor. Ambas trabalham em projetos independentes que estão dando certo e que precisam de assinantes para existir. Elas mostraram que nem tudo está perdido, basta conhecer o seu público. Enquanto a Pública atua através de financiamento coletivo (crowdfunding) e incita o leitor a participar da reunião de pauta com sugestões para as próximas reportagens, o Le 1 investe em formatos físicos colecionáveis e artisticamente impecáveis, como um jornal que Paulic desdobrou num enorme pôster da Torre Eiffel, arrancando “wow” da plateia. O terceiro participante deste debate foi o doutor em Filosofia e professor titular da Faculdade de Comunicação da UFBA, Wilson Gomes. Entre depoimentos construtivos e bem humorados, ele pontuou que o bom jornalismo é aquele que nos faz hesitar, que nos faz pensar em ver a coisa pelos dois lados. “E que seja complexo, pois o mundo é complexo. É preciso um jornalismo que não me trate como criança“, afirmou ele, inclusive contrariando aquele papo de universidade de jornalismo que diz que o repórter precisa ser sempre imparcial. “Não pode ser totalmente imparcial: tem que defender a democracia e os direitos humanos. Não cabe ao jornalista jogar o jogo político“, encerrou.

Foto: instagram @cultrevista

Maria Rita Kehl – psicanalista, cronista, ensaísta, crítica literária – e Xico Sá – escritor e jornalista – entraram em cena mediados pelo Robinson Borges, editor de cultura do jornal Valor. O painel se chamou Na atualidade, como funciona o poder da imprensa?. E Maria Rita já chegou com uma observação sobre esse poder, afirmando que a televisão ainda é a maior mídia de formação de opinião. “As redes sociais e os canais online pulverizam e informam, mas a TV ainda é responsável pela formação da opinião pública“, afirmou. Entre outros assuntos, ela indagou “cadê a solidariedade?” afirmando que a imprensa tem o dever de apoiar causas sociais e marginalizadas como a causa negra, feminina ou do MST. “Não é uma causa do outro, é uma causa de todos nós. Você tem que se identificar com quem não é do seu nicho. Pois quando isso não é possível, a probabilidade de uma sociedade se fascistizar é grande“, diz. (E a gente concorda demais!) Xico Sá, sempre bem humorado, iniciou a fala se referindo aos jornalistas: “não sou mais demitido porque não sou mais contratado. Viramos avulsos“. E criticou os veículos que cada vez mais exigem que o repórter faça mais em menos tempo. (Uma prática comum que a Tropi.Press vê no dia a dia de follow up). “Não estão mais afim de especialistas“, alfineta Xico Sá.

O jornalista e articulista do Estadão, Eugênio Bucci, se mostrou bem feliz ao ver a plateia cheia num seminário que discute o jornalismo. Participante do painel “Qual é o papel da imprensa como agente de formação da consciência política e social na atualidade?”, Bucci diz que há uma dificuldade da classe política em entender a imprensa e que não há notícias completas, nem nunca haverá. “Se não prejudica ninguém, a informação não é notícia”, apontou. E completou: “A notícia muda expectativas, traz críticas e incomoda“. Em outra passagem de seu discurso, ele afirmou que a democracia está em perigo e indagou como é que as autoridades policiais pensam em combater as fake news se elas nem sabem o que são as news, de fato? No mesmo painel, a professora de filosofia Carla Rodrigues falou sobre sociedade algorítmica, onde não se faz mais jornalismo, se faz conteúdo. E incentivou os interessados em comunicação a ir além do sim e não de um robô.

Foto: instagram @cultrevista

Falando em Fake News, esse foi o tema do painel seguinte, que começou com a (ótima) Ivana Bentes – professora e diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, ensaísta, curadora e pesquisadora – agradecendo ao Sesc, à Revista Cult e à URSAL e dizendo que fake news é um novo modelo de negócio no jornalismo. O que começou em tom de piada virou assunto sério quando Ivana apontou que as fake news são feitas por profissionais contratados por agências de marketing, para gerar cliques. Elas sempre existiram, mas hoje possuem novos formatos e a professora exemplificou as polêmicas capas da Veja. Ao lado dela, estava o sociólogo ítalo-brasileiro Massimo di Felice que complementou a informação dizendo ainda que muitas das fakes news são produzidas não por humanos, mas por robôs. O terceiro participante da mesa, Rodrigo Flores, diretor de conteúdo do portal UOL, deu um exemplo prático sobre uma fake new envolvendo a ex-primeira dama, dona Marisa Letícia Lula da Silva. “O UOL apurou essa notícia falsa e publicou a verdade. Um milhão de pessoas – que receberam a fake new por outra fonte – acessaram o nosso conteúdo“. Ou seja, mais de um milhão de pessoas receberam a notícia falsa, para se ter uma ideia do tamanho do problema. Massimo Di Felice deixou uma mensagem muito relevante ao final da discussão, incitando a educação para o internauta. “A fake new sempre existiu e não há guerra contra ela. Mas há guerra contra a burrice. Trump foi eleito não por fake news, mas porque o nível da escola pública nos EUA é péssimo. Na Alemanha, por exemplo, ele não teria chances“, pontuou.

Um painel que nos interessou muito foi “Modelos de Gestão frente à crise: desafios de um mercado instável e em transformação”, que aconteceu no segundo dia de evento. Muito bem mediado pela publisher e diretora editorial da Bravo!, Helena Bagnoli, que possui uma história admirável no jornalismo cultural do Brasil. Ali, Fernando Luna – que conhecemos como diretor editorial da Trip Editora e hoje está na Editora Globo – afirma que é preciso tratar o veículo como uma marca e captar o seu valor a partir de suas características. Um título editorial não é mais uma revista física que se compra nas bancas, ela pode ser uma plataforma multimídia – que já possui o know how e a credibilidade do seu mercado editorial – mas se funde com outras empresas para parcerias que extrapolam o formato convencional. Luna exemplificou os tradicionais títulos Casa e Jardim, que fez uma parceria com uma startup de móveis e Globo Rural, que se aliou à uma startup de meteorologia. “Combinar empresas complementares e achar uma nova receita, um outro modelo de negócio“, apontou. O editor-chefe do portal Nexo, Conrado Corsalete, falou na transparência da apuração, em mostrar os documentos originais que provam as notícias. E no discurso de inclusão de ideias distintas. “Não podemos excluir quem pensa diferente“, afirma apontando que é preciso sair da bolha e falar com todos. Ou pelo menos mostrar um novo ponto de vista à quem pensa diferente, fazer o leitor refletir e, principalmente, tratá-lo bem. No caso do Nexo, contou, trazer publicidade traria mais custos ao veículo, que hoje se monetiza pelo sistema de assinaturas. Convencer as pessoas a pagar pela notícia num veículo munido de muita explicação e menos opinião, foi a resposta dele para o tema do painel. Conrado também mencionou a ascensão do formato newsletter e a ressignificação do email, que é tida como a mais oficial forma de comunicação. “Se eu estou te escrevendo um email, espero que responda“, diz.

Foto: instagram @cultrevista

“Qual o lugar da reportagem no jornalismo do século 21, em que as redações contam com equipes reduzidas e se consolida o jornalismo multimídia?” foi outro painel que todos pareciam ansiosos para ver. De forma descontraída, Ricardo Kotscho – repórter desde 1964 – citou o quanto o debate sobre o fim do jornalismo não é de agora. Já Leonencio Nossa – autor e repórter – reforçou sobre a existência atual de um campo mais amplo e extenso de reportagem, enfatizando que não existe “repórter especial” e sim, reportagem especial. Quando o assunto chegou no freelancer, a roteirista do Greg News (HBO Brasil) Carol Pires confessa não querer voltar para a redação. Entre histórias engraçadas e tensas da profissão, Kotscho finalizou: “nossa função como repórter é descobrir esse povo que não está na mídia”.

No último painel que acompanhamos “Quem é o novo patrão do jornalista? A relação entre marketing, jornalismo e conteúdo patrocinado”, André Maleronka – editor chefe da VICE Brasil -, Cleusa Turra – diretora do Estúdio Folha – e Felipe Gil – diretor de conteúdo e negócios da plataforma GOL na Trip Editora – falaram de como as marcas estão há um tempo planejando entrar na comunicação. André contou que na VICE, a marca não decide o conteúdo da matéria, e mesmo assim, patrocina (um exemplo é o documentário “A Legalização da Cannabis no Brasil”). Também foi mencionado um fato que já notamos aqui em nosso mailing da Tropi.Press: marcas que estão contratando jornalistas para gerar seus conteúdos. Ou seja, a migração da redação para a agência de conteúdo. O painel deixou claro que isso abre ainda mais o campo jornalístico e também houve a concordância em não precisar mais existir o “jornalista de fé”.

Foto: instagram @cultrevista

Parabéns, você chegou ao fim do maior texto já publicado neste blog. Sinal de que o jornalismo ainda tem uma boa audiência. 😉

Por Carolina Martins e Nathalia Birkholz.

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