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[:pt]Jai Mahal e Os Pacíficos da Ilha se aventuram por novas sonoridades[:]

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O álbum “Imperatriz Assassina” traz de volta o enigma de Jai Mahal.
Show em São Paulo: 17 de maio.

Após anos de suspeitas, surgem mais razões para se acreditar que Jai Mahal não é um cara só, mas vários. A desconfiança está ganhando força com o lançamento de Imperatriz Assassina, no qual fãs e conspiradores vêm observando os traços da impostura. Ainda há controvérsias sobre como esses Mahais fazem pra entrar e sair de cena sem confusões, mas o ardil parece estar com os dias contados.

A persona jamaicana desse lendário superstar é, sem dúvida, a mais chamativa. Mahal esteve por lá quando sequer haviam inventado o dancehall, circulou em Kingston antes da invasão dos carros japoneses, voltou vivo e se tornou um dos abades da confraria paulistana do reggae nos anos 1980. Era na casa dele que a galera se reunia e ensaiava, muitas vezes pra shows imaginários, numa rotina que acabou resultando em paradas sérias, como Os Camarões (dupla do Mahal com Nando Reis), Walking Lions, Nomad, Sinsemilla e, claro, Os Pacíficos da Ilha – banda que o acompanha até hoje. No rádio, tocou o programa Reggae Raiz por quase trinta anos, o que colaborou para consagrar a aura mítica de um cara meio Trenchtown, meio Vila Madalena, decerto o mais famoso personagem do panteão jaimahaliano.

Natural, portanto, que esperemos encontrar esse sujeito aí em seu novo disco – o quinto da gloriosa carreira. Mas, logo na primeira canção, é outro Mahal que aparece. “Mandingo” é um samba-soul moderno com apelos à alma afro-brasileira, não tem Jah nem io-io-iô:

Devagar com esse nego mandingo
Ele sabe apanhar a folha
Sabe mexer na erva
Sabe rezar a reza
Sabe curimar
Quando bate vem caboclo e orixá
Quando dança tudo que é erê vem dançar

Questionado sobre a troca de papel, esse Mahal nagô lembra que a composição é de Pedro Luís e Roque Ferreira, mas admite: “A música abre o disco mostrando a elasticidade de estilos da nova fase da banda, tradicionalmente ligada ao reggae.” Indo mais longe, e para gozo dos caçadores de mistérios, ele acaba dando pistas sobre sua natureza múltipla, diversa. “Isso preconiza uma ideia de o álbum sincretizar ritos espirituais como os tambores rastas, a devoção cristã, os mantras hindus e as tradições afro-brasileiras.”

Com efeito, o reggae é resgatado na (quase) faixa-título, “Imperatriz Assassina (A Pantera Negra)”. E vem com a clássica assinatura do Mahal dreadlock rasta, dado a fazer melodias que lembram um passeio matinal num domingo de sol, mesmo quando nos versos ameaça chover: 

Sentada em seu trono africano
De palha e de pano
A rainha das savanas
Segurando o cetro e a corrente da coleira
De sua pantera negra
Que olha sem rugir
Só destilando o veneno
Que já está por vir

Para o clipe dessa canção, o artista em turno, ele mesmo, concebeu uma fantasia que inclui um barco rumo à África, um caçador de borboletas, uma tribo inamistosa e, claro, a temível Imperatriz Assassina – tudo isso em uma sofisticada combinação de filme e animação, baseada nos desenhos coloridos de André Farkas, com a participação especial de dois gigantes inquietos da música brasileira, Carlos Careqa e Arrigo Barnabé. Delírio pouco é bobagem.   

Assista:

Mas, a sensação de que o velho Jai Mahal está de volta dura pouco. Porque em “The Officer Was Singing” surge um blueseiro com sentimentos carregados “nos arquivos do peito durante muitos anos”, como ele mesmo vai contando. “Essa canção espelha a história de um casal que briga e vai pro distrito, senta e espera, até que o delegado entra cantando o trecho de um antigo blues: ‘I wonder, I wonder’… talvez se indagando por que tantas vezes o amor tem de acabar na delegacia.” Pra fazer coro com o delegado e harmonizar esse lamento blues – que por fim recende a jazz – foram convocados Léo Sogabe e Gerson da Conceição, dois dos cúmplices dos Jais Mahais nesse disco intrigante. 

De repente, vem um sambista de novo. Só que não é aquele nagô dos embalos de terreiro, mas um tipo urbano, cosmopolita, que toma de empréstimo a elegância de Chico Buarque em “Mambembe” pra exaltar paixão, arte e malandragem. “Essa música traz aquela questão da revanche emocional do poeta, que diz ‘você vai saber de mim’  pra vingar a derrocada no amor”, diz esse Mahal telecoteco. As repetidas imagens da vida na rua contidas nos versos buarquianos são valorizadas com a participação especial do notável Osvaldinho da Cuíca, seu pandeiro, sua cuíca e sua caixinha de fósforos, resgatando a batucada tradicional paulistana – que conforme o mestre costuma contar, começou nas caixas dos engraxates, “na praça, no circo, num banco de jardim”.  

Um tema recorrente na cosmologia dos Jai Mahais é a paixão, o que se reitera em “O Único a Mais”, incluída anteriormente no álbum Original Café e que, agora, ressurge a bordo de um confortável arranjo ska. O Mahal rudeboy a considera uma das canções mais divertidas no argumento. “Conta a história de um rapaz apaixonado por uma menina que já tinha namorado, só que o inocente não sabia do pior…”

O dreadlock rasta volta com tudo em “Pérolas aos Porcos”, a mais conhecida de sua obra inominável, canção que se tornou referência para vários artistas e bandas nacionais. A gravação, mixada por Buguinha, é da época do disco anterior, Invisivelman, mas não foi incluída “por uma questão de conceito”, como explica o Mahal que tão bem conhecemos. “Agora ela acabou compondo para o lado místico da obra.” A despeito de serem cantados por tantos e há tanto tempo, os versos desse clássico parecem ecoar como nunca nos dias de hoje:

Não adianta você querer ensinar
Quem não quer aprender
Tudo tem um tempo certo para se dizer
O sol está no céu para todo mundo ver
Se eles querem a escuridão
O que se há de fazer

E é com o mesmo avatar (ou seria sob o conhecido encosto?) que ele  traz “A Long Time Ago”, também um clássico, incluída antes em Original Café, aqui em produção mais sofisticada e com mixagem de Rafael Labate.

É a deixa pra aparecer um Jai Mahal meio Jimi Hendrix, numa viagem instrumental que remete às melodias mineiras do Clube da Esquina – tudo isso honrado no título: “Minas Experience”. A guitarra lisérgica foi gravada nos anos 1990 num velho e bom Tascam Porta One, modelo de gravador 4 canais que serviu a muitas outras grandes estrelas antes da fama. Descoberta no baú, foi digitalizada por Victor Rice e finalizada por Gerson da Conceição. O músico e produtor maranhense também acrescentou o baixo e a programação eletrônica, fez os arranjos e a mixagem com o tal de Jai Mahendrix, nesta última etapa ao lado de Nico Paoliello.

Em outra surpreendente virada, Mahal incorpora o caboclo hindu em “Om Nama Shivaia”. A base instrumental vem de “Tiruvannamalai”, participação no Projeto Jam Lab, em 2016, e conta com Rodrigo Bourganos, do grupo Bombay Groovy, brasileiro que adaptou a cítara pra tocá-la em pé, como uma guitarra. “Na ocasião, fiquei deveras preocupado em fazer algo diferente, não estava à vontade pra dirigir vocais ou naipes de metal. Daí veio a inspiração na Índia, dando um clima.” Renascida neste novo disco, a música acabou acomodando o mantra que Mahal aprendeu e entoou centenas de vezes com seu mestre, Sri Maha Krishna (1935-1991).

E quando a galeria de personagens ou entidades que compõem Jai Mahal parece completa, pra não dizer exuberante, irrompe outro fiel devoto – não de ilê ou de ashram, mas de templo cristão, como se descobre em “Jesus Cristo Rei”:

Jesus Oxalá venha nos valer
Guiai nossas cabeças
Em sua sagrada direção
Se a chuva derrubar nossos barracos no chão
Que sempre tenhamos firmeza em Seu coração

Leandro Kintê, da banda Filhos da Terra, foi convocado para fazer vozes com o Mahal carola. “Ele tem muito essa linha reggae gospel.” Fino Ras, da banda Veja Luz, também canta junto, e Fabrício Jah Fya faz os tambores nyahbinghi. “Pensei numa confraternização rasta-cristã com a galera. Acabei deixando a mix inteira no disco, pra não perder nenhum momento devocional.” Generosos, os Jais Mahais incluíram ainda duas bonus tracks. “Pantera Negra” é a versão orgânica de “Imperatriz Assassina (A Pantera Negra)”, com mixagens bem adubadas a cargo de Douglas Earl B. A outra é “Tiruvannamalai Rice Field Dub”, cujo título revela a origem e a natureza: o instrumental gravado para o Jam Lab, aqui trabalhado e transcendido pelo bruxo Victor Rice.

Dreadlock rasta, nagô, Hendrix, rudeboy, telecoteco, saddhu… Quantos são os Jais Mahais? Como vivem? Como se alimentam? Como se reproduzem? Os enigmas em torno desse ser nada único se tornam ainda mais complexos neste Imperatriz Assassina, provocando a curiosidade de seus milhões de fãs em todo o mundo.
Ouça você e tire suas conclusões: https://tratore.com.br/smartlink/imperatrizassassina

* TRISTE ACRÉSCIMO
Bem no dia em que este texto fica pronto e a capa e o encarte do disco seguem pra gráfica, perdemos Gerson da Conceição – e esse perdemos é um plural gigante, porque somos muitos parceiros e parceiras, amigos e amigas, fãs e admiradores, todos atônitos com sua súbita partida. Esse maranhense – “um músico em sua essência”, nas palavras do Jai Mahal – também era muitos. Destacou-se como baixista, produtor, arranjador, cantor e compositor, e fazia tudo sempre com intensa criatividade e entusiasmo. A formação entre as radiolas, o bumba-meu-boi e o tambor de crioula, os anos e anos de dedicação e pesquisa, as bandas que formou e liderava aqui e lá fora, a experiência com grandes nomes da música brasileira e internacional… Há um mundo de razões pra gente acreditar que não será fácil ter outro igual.

Por Otávio Rodrigues

Show de lançamento do disco “Imperatriz Assassina” em São Paulo:

17 de maio
Estrella Galícia Estação Rio Verde
Rua Belmiro Braga, 119, Vila Madalena, São Paulo
Abertura: 22h / show: 23h30
Valores: R$20 antecipado (compre aqui) e R$35 porta
Lista amiga R$ 15,00 (enviar os nomes para [email protected])
Aceita todos os cartões de Crédito e Débito.
Acessível para cadeirantes. Ar Condicionado.
Classificação: 18 anos
Evento no Facebook aqui.

Instagram @mahaljai/

facebook jaimahaleospacificosdailha/

youtube /jaimahall

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